Após dia de protestos em Brasília, ‘Diretas já’ começa a caminhar no Congresso
O pedido de “Diretas já” que veio das ruas nesta quarta-feira começou a ganhar corpo no Congresso Nacional. Na manhã, senadores de oposição se aproveitaram de uma distração da base governista e conseguiram colocar para tramitar uma proposta que permitiria eleições diretas no caso de uma saída de Michel Temer do cargo ainda neste ano.
A medida esbarra na maioria governista no Parlamento, que discute com mais força neste momento a escolha indireta de um eventual substituto de Temer, mas seus promotores apostam a pressão popular pode mudar o jogo. A proposta, entretanto, pode não ter efeito no caso de um processo de impeachment, que pode se arrastar até 2018, se considerado o tempo que durou o de Dilma Rousseff.
Parlamentares petistas conseguiram inverter a pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e fazer a leitura do relatório do senador Lindbergh Farias (PT) sobre uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe eleições diretas quando os cargos de presidente e vice ficam vagos até o final do terceiro ano do mandato. Se aprovada, a PEC prevê que a eleição direta ocorra em até 90 dias após a saída do vice-presidente e serviria apenas para um mandato-tampão, ou seja, haveria eleições presidenciais normalmente, em outubro de 2018.
A oposição se beneficiou da ausência de senadores do PMDB, que estavam em uma reunião com Temer no Palácio do Planalto, e conseguiu levar a PEC de 41 para segundo item de discussão na pauta do dia. Com isso, Lindbergh conseguiu fazer a leitura do relatório, que é o primeiro passo para que o projeto vá para votação na comissão. A previsão é que isso ocorra já na semana que vem. Se aprovada na CCJ, a PEC irá para votação no Plenário, mas caberá ao presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB), colocá-la em votação.
Eunício é aliado do presidente Temer e a própria oposição reconhece que a matéria só terá chance de ser aprovada na CCJ e de entrar na pauta de votação no Plenário caso haja pressão popular. Por isso, a manifestação das centrais sindicais em Brasília, pode ser um termômetro essencial para mudar os ânimos no Congresso, avaliavam petistas pela manhã de quarta-feira (24). O protesto reuniu as centrais sindicais que costumavam ficar de lados opostos durante os governos petistas, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical.
É a primeira vez, na última década, que todas elas se reúnem por uma causa comum: a derrubada das reformas trabalhista e da Previdência e a saída do presidente Michel Temer, com um pedido de eleições diretas. São 25.000 manifestantes, segundo a polícia, e 100.000 pessoas, de acordo com os organizadores, que caminharam desde as 10h do estádio Mané Garrincha até o Congresso Nacional.
Há ainda outro obstáculo. Mesmo que seja aprovada, a PEC, de autoria do senador José Reguffe (sem partido), só teria algum efeito neste momento caso Temer deixe o cargo ainda neste ano. No ano que vem, Temer entraria no último ano de mandato e a PEC prevê que, neste caso, a vaga seria ocupada por eleição indireta. Caso a Câmara aprove a abertura de qualquer um dos processos de impeachment protocolados (já são 12 desde o início do escândalo), o processo pode se arrastar por meses. O de Dilma, por exemplo, demorou quase nove meses entre a abertura do processo (em dezembro de 2015) e sua destituição (agosto de 2016). Para a oposição, entretanto, isso não é um problema. Para eles, a saída de Temer não virá por impeachment. “Temer não vai cair por impeachment, esqueça. Ele cai ou por renúncia, porque está completamente desmoralizado, ou pelo TSE [que julga a partir do próximo dia 6 de junho se houve irregularidades na campanha da chapa Dilma-Temer]”, afirma o senador Lindbergh.
Com alternativa a isso, também tramita paralelamente na Câmara uma outra PEC, de autoria do deputado Miro Teixeira (Rede), que prevê eleições diretas caso a vacância nos cargos presidenciais ocorra até seis meses antes do fim do mandato. Na última terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados colocou em sua pauta a análise desta proposta. A eleição também seria para um mandato-tampão e a votação ocorreria em até 30 dias após a vacância do cargo.
A PEC 227 seria votada na CCJ, mas uma manobra de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e aliado de Temer, travou a votação da proposta. A previsão é que na próxima semana ela comece a ser analisada no colegiado. Esse é o primeiro passo para que o projeto se torne lei. Se forem seguidos os trâmites normais, a votação dessa PEC no Congresso pode levar entre um e quatro meses. Ou seja, demoraria, provavelmente, mais tempo que a PEC do Senado para ser aprovada.
Autor do projeto, Teixeira diz que seu objetivo não era confrontar Governo A ou B. “Ela foi apresentada em junho do ano passado, quando processo contra a Dilma já tinha passado pela Câmara. Meu objetivo era o de evitar qualquer questionamento judicial, já que o Código Eleitoral diz uma coisa e a Constituição, outra”, afirmou. Uma ação no STF questiona a constitucionalidade de um artigo da lei eleitoral que prevê eleição direta no caso de cassação do registro eleitoral de chefes do Executivo (Presidência, governos estaduais e prefeituras). A ação ainda não foi julgada pela Corte, mas o ministro relator, Luis Barroso, já a liberou para ser analisada em plenário.
“Ela não é uma PEC de oportunidade, é para resolver o país. É para tirar essa perplexidade na qual vivemos. Por que tirar do povo o direito de decidir?”, questiona Teixeira.
As propostas que pedem as “Diretas Já” têm sido identificadas como uma bandeira de parte da esquerda brasileira, que tentaria emplacar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O próprio partido veiculou na TV uma propaganda na qual Lula é a principal estrela e fala como candidato tácito e o presidente da legenda, Rui Falcão, diz que o “o Governo Temer acabou” e pede eleições diretas.
No protesto das centrais sindicais contra Temer nesta quarta-feira, é possível ver centenas de pessoas vestindo camisetas com uma foto de Lula e os dizeres: “O cara ‘tá’ voltando”. Em contrapartida, movimentos que pediram o impeachment de Dilma Rousseff iniciaram nas redes sociais campanhas contra as diretas. Preferem que, no caso de queda de Temer, ocorra uma eleição indireta, na qual apenas congressistas votam.
Fonte: El Pais